TRECHOS RETIRADOS DO LIVRO FAZES-ME FALTA
DE INÊS PEDROSA
Dormirás tranquilo, aninhado
no conforto da falta que eu te faço. Morrendo devagar, partícula a
partícula. Ouço o som da morte na tua pele, livro que se encarquilha na câmara
úmida do tempo. Os teus órgãos arrefecem – há quanto tempo não te arde
o coração?
És agora
apenas uma fotografia ao lado da minha insônia. Uma memória que me fala
sobretudo, como todas as memórias, daquilo que não existiu. Nesta fotografia te
esqueço.
Meticulosamente, de cada vez que me esforço por reter-te e começo a inventar-te. Tudo em ti tem asas, agora – o teu riso, os teus passos. Até nas poucas frases que de ti recordo há um restolhar de penas.
E deslizo para esta solidão demasiado humana de não poder voltar a ser sozinho, como era quando tu existias, nesta mesma cidade, e eu já nem sequer pensava em ti.
Meticulosamente, de cada vez que me esforço por reter-te e começo a inventar-te. Tudo em ti tem asas, agora – o teu riso, os teus passos. Até nas poucas frases que de ti recordo há um restolhar de penas.
E deslizo para esta solidão demasiado humana de não poder voltar a ser sozinho, como era quando tu existias, nesta mesma cidade, e eu já nem sequer pensava em ti.
E eis-me
preso à memória escura dos teus olhos, dos teus passos saltitantes, da tua
alegria convicta que a partir de certa altura começou a açucarar demasiado a
minha vida.
Estou á tua espera num sítio onde as palavras já não magoam, não ferem, não sobram nem faltam. Esse sítio existe.
A sombra do
que eu sou projeta-se no teu corpo e resplandecemos, aura azul no frio da tua
madrugada.
Os semeadores de horror sempre foram uma minoria – uma minoria eficiente, sim, mas que engorda na proporção exata em que se acredita no seu poder.
Cruzávamos a
cidade à hora em que a luz do sol se mistura com a cinza amarela dos
candeeiros. Respirávamos o ar lavado dessas primeiras horas, um ar molhado que
fazia brilhar os carris dos elétricos e inundava de rosa velho as persianas
corridas. Tinhas medo do escuro, tu.
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