quinta-feira, 11 de julho de 2013

FAZES-ME FALTA - LIVRO DE INÊS PEDROSA







TRECHOS RETIRADOS DO LIVRO  FAZES-ME  FALTA

  DE INÊS PEDROSA








Dormirás tranquilo, aninhado no conforto da falta que eu te faço. Morrendo devagar, partícula a partícula. Ouço o som da morte na tua pele, livro que se encarquilha na câmara úmida do tempo. Os teus órgãos arrefecem – há quanto tempo não te arde o coração?






És agora apenas uma fotografia ao lado da minha insônia. Uma memória que me fala sobretudo, como todas as memórias, daquilo que não existiu. Nesta fotografia te esqueço. 





Meticulosamente, de cada vez que me esforço por reter-te e começo a inventar-te. Tudo em ti tem asas, agora – o teu riso, os teus passos. Até nas poucas frases que de ti recordo há um restolhar de penas. 






E deslizo para esta solidão demasiado humana de não poder voltar a ser sozinho, como era quando tu existias, nesta mesma cidade, e eu já nem sequer pensava em ti.





E eis-me preso à memória escura dos teus olhos, dos teus passos saltitantes, da tua alegria convicta que a partir de certa altura começou a açucarar demasiado a minha vida.













Estou á tua espera num sítio onde as palavras já não magoam, não ferem, não sobram nem faltam. Esse sítio existe.






A sombra do que eu sou projeta-se no teu corpo e resplandecemos, aura azul no frio da tua madrugada.







Os semeadores de horror sempre foram uma minoria – uma minoria eficiente, sim, mas que engorda na proporção exata em que se acredita no seu poder.








Cruzávamos a cidade à hora em que a luz do sol se mistura com a cinza amarela dos candeeiros. Respirávamos o ar lavado dessas primeiras horas, um ar molhado que fazia brilhar os carris dos elétricos e inundava de rosa velho as persianas corridas. Tinhas medo do escuro, tu.




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