Inspirado na história real da socialite americana Florence
Foster Jenkins
Paris, 1920. Marguerite Dumont é uma mulher rica, amante da
música e da ópera. Ela gosta de cantar para seus amigos, embora não seja uma
boa cantora. Tanto o marido quantos os amigos mantiveram sua fantasia. O
problema começa quando ela decide executar sua fantasia na frente de um público mais amplo.
Quando o filme começa, somos transportados para
os anos de 1920, precisamente em uma mansão, onde está sendo realizado um evento de
caridade e todos estão ansiosos para a apresentação musical da Condessa Marguerite Dumont (Catherine Frot). Marguerite surge glamorosa e ao abrir a boca começa, sem nenhuma piedade, a
massacrar todos os ouvidos alheios com uma performance impressionantemente
horrível de "A Rainha da Noite" de Mozart. Porém, ao final da apresentação, todos
a aplaudem hipocritamente e, assim, deixam nela a crença de que é uma cantora soprano
sensacional.
Essa ilusão, na verdade, já vem se mantendo há muito tempo,
afinal, além de realizar muitos eventos beneficentes, Marguerite Dumont é
casada com o Conde Georges Dumont (André Marcon) e a riqueza do casal já
garante o prestígio necessário para a sociedade. Ao encararem, estupefatos, as
destrezas vocais da Sra. Dumont, dois jornalistas, Kyril Von Priest (Aubert Fenoy)
e Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide), pretendem, maliciosamente, alimentar ainda mais a fantasia
de Marguerite a ponto de fazê-la ter o desejo de realizar um concerto solo em
um grande teatro ao público.
Nos anos 1920, a rica Marguerite Dumont (Catherine Frot) está
convencida de que tem uma belíssima voz, e organiza vários concertos privados
em sua mansão. Ela é muito apreciada pela generosidade e pelas belas festas que promove,
mas ninguém tem coragem de dizer que Marguerite canta incrivelmente mal. Um
dia, a artista decide se apresentar em público. O marido teme a reação
negativa, mas ela contrata um professor e se prepara para a apresentação de sua
vida.
Todos a adoram e elogiam suas apresentações, por não terem coragem de dizer o óbvio: ela é uma péssima cantora, que desafina a cada nota! Por educação, por submissão ao título de baronesa e para não perderem o convívio com a alta nata da sociedade, os amigos se calam e aguentam os sons atrozes emitidos pela anfitriã. Marguerite, sorridente, acredita que canta muito bem.
Marguerite Dumont (Catherine Frot) e o diretor e roteirista Xavier Giannoli
Dirigido por Xavier Giannoli a partir de um roteiro dele e de
Marcia Romano – Marguerite é protagonizado por Catherine Frot (“Os Sabores do
Palácio”), cuja interpretação brilhante lhe rendeu o César, principal prêmio
francês, de melhor atriz. O filme é sobre Marguerite Dumont, baronesa da década
de 20 que reúne inúmeros amigos e a nata da sociedade francesa da região. Seus
recitais são sempre pelos órfãos da guerra. Ela recebe muitos convidados e
doações, mas quando canta sua voz desafinada não é contestada tornando seu canto
constrangedor e irritante. O silêncio conivente e constrangedor da plateia está intimamente ligado ao poder socioeconômico de Marguerite.
“Marguerite” é um filme sobre o poder da elite e o silêncio
hipócrita, coletivo, capazes de levar à ascensão regimes fascistas e a Segunda
Guerra. A metáfora embutida na voz desafinada significa que se pode desafinar
os tons e fazer do canto destorcido um instrumento destrutível e caótico quando
se está no poder. Assim também são os caminhos da sociedade fascista que nos faz obedecer, aplaudir e calar diante do abominável.
Em um dos recitais o jovem jornalista, Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide), com o amigo Kyrill Von Priest (Aubert Fenoy), se espantam com a falta de talento da mulher, mas também com a completa hipocrisia da alta sociedade que a aplaude. Ninguém tem coragem de contar à Marguerite a verdade, sua falta de talento, com medo de magoá-la e, principalmente, abrir mão do desfrute de sua riqueza.
O contraponto é uma jovem cantora talentosa, de verdade, (Christa Théret), que também se apresenta nesse recital e cuja carreira está em ascensão.
Marguerite, fechada em si mesma, é protegida pelo marido envergonhado (André Marcon), que depende de seu dinheiro, e pelo seu fiel mordomo (Denis Mpunga).
Sem dúvida é o início de seu delírio e de sua loucura. A personagem vai do cômico ao teatro trágico, por não perceber, ou não querer perceber, a realidade hipócrita e pesada que a cerca por interesses materiais e a aprisionam na sua ilusão de ser uma grande cantora.
Marguerite é uma mulher ingênua, fora da realidade e por vezes, pouco inteligente. Lucien, o jornalista, com um perfil no jornal intitulado “A Voz dos Órfãos”, poderia escancarar a verdade, mas prefere hipocritamente elogiá-la. Marguerite é incapaz de perceber o deboche dos jornais. Aliás, ela não leva a sério o que dizem os jornais, e muitas críticas são escondidas pelo fiel mordomo.
Ela vai para o grupo avant guarde de Lucien, que a rigor quer apenas explorar sua rica cantora.
Marguerite chega a contratar um professor que também é falso e mentiroso, deixando que ela se apresente no teatro sem nenhum preparo para um fiasco. Sua voz simboliza o grito dos inocentes e um aviso que os fascistas vencerão. Ela é quase uma flor surda, uma doçura não vista, abandonada e rejeitada dentro de seu castelo, ela precisa ser escutada, ser amada pelo marido que também está a favor dos nazistas e a rejeita brutalmente, apesar de sentir compaixão, esta brota da culpa por ter uma amante.
Marguerite simboliza a pessoa que é apagada, menosprezada e ridicularizada no silêncio do tempo.
Quem tem coragem de contrariar uma milionária dentro de sua excentricidade?
O poder fala mais alto e todos se dobram à sua loucura.
É nisso que reside o mais trágico de “Marguerite”, não apenas a percepção do filme diante da Europa do entre guerras, mas das dinâmicas sociais de classe. Ou seja, uma vez rico e poderoso ninguém jamais vai lhe apontar seus defeitos e fraquezas. É um comportamento social sádico e perverso que mata aos poucos uma pessoa mimada em função do seu dinheiro e ocupação social, desafinada e que nunca ouviu a si própria no seu delírio solitário.
Em um dos recitais o jovem jornalista, Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide), com o amigo Kyrill Von Priest (Aubert Fenoy), se espantam com a falta de talento da mulher, mas também com a completa hipocrisia da alta sociedade que a aplaude. Ninguém tem coragem de contar à Marguerite a verdade, sua falta de talento, com medo de magoá-la e, principalmente, abrir mão do desfrute de sua riqueza.
O contraponto é uma jovem cantora talentosa, de verdade, (Christa Théret), que também se apresenta nesse recital e cuja carreira está em ascensão.
Um jornalista interesseiro e jocoso (o excelente Sylvain
Dieuaide) tece elogios à baronesa, na intenção de frequentar as festas na mansão. Enquanto isso, a jovem Hazel (Christa Théret), de origem
humilde e realmente talentosa, passa longe dos radares por não servir aos
interesses de ninguém.
As diferenças de classe e relações de poder são
determinantes na produção artística, em outras palavras, cada sociedade colhe a
arte que plantou. No caso dos nobres hipócritas dessa história, eles merecem os
gritos ensurdecedores da protagonista.
Marguerite, fechada em si mesma, é protegida pelo marido envergonhado (André Marcon), que depende de seu dinheiro, e pelo seu fiel mordomo (Denis Mpunga).
Sem dúvida é o início de seu delírio e de sua loucura. A personagem vai do cômico ao teatro trágico, por não perceber, ou não querer perceber, a realidade hipócrita e pesada que a cerca por interesses materiais e a aprisionam na sua ilusão de ser uma grande cantora.
Marguerite é uma mulher ingênua, fora da realidade e por vezes, pouco inteligente. Lucien, o jornalista, com um perfil no jornal intitulado “A Voz dos Órfãos”, poderia escancarar a verdade, mas prefere hipocritamente elogiá-la. Marguerite é incapaz de perceber o deboche dos jornais. Aliás, ela não leva a sério o que dizem os jornais, e muitas críticas são escondidas pelo fiel mordomo.
Ela vai para o grupo avant guarde de Lucien, que a rigor quer apenas explorar sua rica cantora.
Marguerite chega a contratar um professor que também é falso e mentiroso, deixando que ela se apresente no teatro sem nenhum preparo para um fiasco. Sua voz simboliza o grito dos inocentes e um aviso que os fascistas vencerão. Ela é quase uma flor surda, uma doçura não vista, abandonada e rejeitada dentro de seu castelo, ela precisa ser escutada, ser amada pelo marido que também está a favor dos nazistas e a rejeita brutalmente, apesar de sentir compaixão, esta brota da culpa por ter uma amante.
Marguerite simboliza a pessoa que é apagada, menosprezada e ridicularizada no silêncio do tempo.
Quem tem coragem de contrariar uma milionária dentro de sua excentricidade?
O poder fala mais alto e todos se dobram à sua loucura.
É nisso que reside o mais trágico de “Marguerite”, não apenas a percepção do filme diante da Europa do entre guerras, mas das dinâmicas sociais de classe. Ou seja, uma vez rico e poderoso ninguém jamais vai lhe apontar seus defeitos e fraquezas. É um comportamento social sádico e perverso que mata aos poucos uma pessoa mimada em função do seu dinheiro e ocupação social, desafinada e que nunca ouviu a si própria no seu delírio solitário.
Como pode se perceber, esta obra constitui uma fábula rica em
significados. Giannoli consegue embutir vários níveis de leitura, tornando a
obra fascinante.
Um dos primeiros aspectos presentes é, portanto, a vertente
política: Marguerite traça uma crônica mordaz aos costumes da burguesia
francesa no início do século XX. Para quem pensa que a protagonista será
ridicularizada por sua ingenuidade, a surpresa é constatar um olhar muito mais
crítico àqueles que sustentam esta ilusão. O mundo das aparências afeta todos
os níveis hierárquicos, incluindo o marido da personagem, seus amigos próximos,
os jornalistas que se aproveitam de sua riqueza, o motorista zeloso, as
empregadas, o professor, a jovem cantora sem sucesso, etc.
O filme também impressiona por suas escolhas estéticas. O
diretor evita o deboche e prefere o retrato grotesco, obscuro, beirando o
suspense psicológico. A fotografia cinzenta e os espaços vazios da casa
transparecem uma atmosfera de desolação.
A montagem nunca termina as cenas nos
momentos que a cantora possa parecer patética: seguindo a fórmula “drama = comédia
+ tempo”, deixa as cenas se esticarem após os momentos do canto, trocando a
humilhação pela sensação de desconforto.
A direção de arte, precisa, também
acerta ao passar do realismo à loucura, com imagens belíssimas e criativas –
vide as fotografias do mordomo e o olho gigantesco no jardim. Marguerite está
sempre a um passo do surrealismo.
Outro mérito do filme é seu
humanismo. O roteiro compreende o lado de todos os personagens, sem julgá-los, já que estão mergulhados numa perversa estrutura social: é compreensível que jornalistas pobres obtenham
ajuda da protagonista, faz sentido que o professor de canto, em fim de
carreira, aceite treinar a péssima aluna sem apontar sua falta de talento.
Cada
um se alimenta das carências alheias, numa ciranda de personagens hipócritas,
obrigados a cumprir com obrigações sociais indesejadas. Catherine Frot ajuda
muito na empreitada: a atriz genial transita entre vários sentimentos através
de pouquíssimos gestos, da fala contida e do olhar preciso. É difícil saber
exatamente o que se passa na cabeça da personagem, até que ponto ela acredita
na farsa de seu talento. A atriz desenvolve muito bem esta ambiguidade
indispensável à narrativa.
Catherine Frot) e o diretor e roteirista Xavier Giannoli
Rumo ao final, o aguardado instante da apresentação é excelente,
assim como a conclusão, tão triste quanto irônica. Esta acaba sendo a história
de uma grande artista sem talento, uma figura importante não pela contribuição
à música, mas por seu papel como sintoma de uma época.
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