terça-feira, 29 de março de 2016

FILIPE CATTO ARREBATADOR - DIAS E NOITES










Filipe Catto continua na divulgação do seu mais recente disco, e nos últimos dias foi a vez de mostrar ao público a grande essência visual da faixa "Dias e Noites", que abre Tomada, seu novo CD. 


O vídeo da faixa Dias e Noites faz um interessante jogo de luzes e sombras, mostrando que nosso próprio rosto pode ser visto de diversas formas, dependendo apenas da incidência de luz. 









Produzido pela Zeppelin Filmes e com direção de Fernanda Rotta e Rodrigo Pesavento, o clipe de Dias e Noites comprova a personalidade forte de Filipe, um dos mais recentes destaques da ainda nova música popular brasileira.






                               
Fotografia de Lena Leote





Catto se destaca pela sua voz única, um timbre raro de se ouvir. O artista vem alavancando sua carreira para o grande público de forma cuidadosa, qualitativa e meteórica.










A combinação de voz, trejeitos e a jovem beleza do cantor contrastam ainda com uma dúbia aura doce e a cara de imponência. É como se imaginássemos aquele chefe que dá sermão falando baixo e sorrindo. O vídeo de Dias e Noites mostra este paradoxo que cada vez mais se mostra uma marca registrada do artista. Catto é doce, simples e até tímido, porém nos palcos é o oposto disso: firme, sisudo, imponente mesmo.










Diferentes e iguais


No clipe, o artista aparece cantando seu single enquanto as luzes passeiam pelo seu rosto, mostrando que, de certo modo, podemos ser bem diferente daquilo que imaginam(os). À medida que o vídeo avança, o rosto de Filipe ganha sobreposições de novos rostos.









Esta mescla de rostos, por outro lado, prova que mesmo sendo diferentes, somos ainda o mesmo, a mesma essência, um mesmo ser. E não se assuste, Filipe Catto nos dá toda a licença poética necessária para interpretações poéticas de suas músicas e clipes.

Dias e noites, claro e escuro, diferentes e iguais, tímido e imponente. O que seria de nós se não fossem as dualidades cotidianas presentes em nossas vidas?










A epopeia poética e imponente da nova fase de Filipe Catto



"Já nem sei dizer quantos nomes, cores, lábios

Nesses lábios roubei."








"Por onde esbarro, o perigo
Onde madrugada já não passa
De uma armadilha
Onde eu quis me perder, me deixar

Por outros sinais."








“Dias e Noites”: Filipe Catto tem pegada poética e imponente.
















quinta-feira, 24 de março de 2016

GENI E O ZEPELIN - DA OBRA DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA







Nenhuma “bondade” irá redimir Geni: objeto não aceitável, excluído, sujo e inútil aos olhos podres e moralistas da cidade.









Incrível a capacidade de mestres como Chico Buarque de   Holanda de conseguirem colocar em suas letras críticas tão explícitas ou subjacentes e, ainda assim, passarem suas mensagens, ainda que em plena época de ditadura militar. 

Chico, que já vem com suas raízes da bossa, de uma MPB regada ao samba, consegue com excelência fazer suas críticas através dos diversos personagens que cria e personifica e nos faz perceber o quão mesquinha é nossa sociedade e o quão corrompidos somos individualmente.









Contando com a participação de diversos artistas, a Ópera do Malandro é um álbum de Chico lançado em 79. O disco traz músicas do musical homônimo, de autoria de Chico Buarque, baseado na Ópera dos Mendigos, de 1728, de John Gay, e na Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill. O musical estreou na cidade do Rio de Janeiro, em julho de 78 e foi recriado na cidade de São Paulo, em outubro de 79, ambos sob a direção de Luiz Antônio Martinês Corrêa.

O filme Ópera do Malandro estreou em 86, sob direção de Ruy Guerra, baseado neste mesmo  musical de Chico Buarque. A trilha sonora do filme foi lançada também em 86.










"Geni e o Zepelim" é uma canção brasileira, composta e cantada por Chico Buarque de Holanda. Esta canção fez parte do musical Ópera do Malandro, do mesmo autor, lançado em 1978, do álbum, de 1979, e do filme, de 1986, todos com o mesmo nome.











A letra descreve, em versos heptassílabos metrificados e rimados, a longa história que define o episódio ocorrido com Geni, uma travesti (segundo representado na "Ópera do Malandro"), que era hostilizado pela cidade. Diante de uma ameaça de ataque de um comandante tirano e seu Zepelim, a cidade se vê acuada, paralisada de medo, porém uma saída resta, pois o comandante cruel se encanta com os dotes de Geni, que acaba sendo procurada desesperadamente pelos habitantes daquela cidade. Provisoriamente, ela se vê , surpreendentemente, tratada de um modo diferenciado pelos seus detratores habituais. Contudo, passada a ameaça,  ela retorna ao seu dia-a-dia normal, no qual as pessoas a ofendiam e excluíam, revelando o caráter pseudo-moralista e hipócrita da sociedade.








A canção teve tal relevância que o refrão "Joga pedra na Geni" se transformou numa espécie de bordão, bem ao gosto dos preconceituosos, indicando como Geni pessoas ou até mesmo conceitos que, em determinadas circunstâncias políticas, se tornam alvo de preconceito, execração pública, ainda que de forma transitória ou volátil.











Geni e o Zepelim (Chico Buarque)


Significado do nome Geni: 

Grego - Diminutivo de Eugênia. Bem nascido, nobre. Com uma auto-confiança que beira a arrogância não costuma decepcionar os amigos. Muito disciplinado, sua aparência transmite sucesso e prestígio que vêm graças ao grande espírito de competição e capacidade de liderança. Adora desafios!





O texto, baseado na Ópera dos Mendigos de John Gay (de 1918) e na Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill (de 1928), é adaptado, transportado e ambientado num bordel e retrata a malandragem brasileira, em espetáculo musical.

Algumas fontes indicam que a personagem Geni teria sido inspirada na personagem de mesmo nome da peça Toda Nudez Será Castigada, de Nelson Rodrigues, lançada em 1965.

A canção é uma alegoria, uma crítica ao colonialismo (ou imperialismo), ao sistema ditatorial, ao militarismo e ao capitalismo, sendo a personagem Geni uma representação do oprimido.






Geni, por um lado, é marcada pelo silêncio, pela submissão e pela não-voz, na medida em que o sistema que a cerceia impede que ela fale. Por outro lado, esse sujeito fala através de uma outra voz, a voz autoral do narrador que heroifica sua personagem e derruba os valores de seus inquisidores.

No trecho que diz que Geni preferia amar com os bichos a se deitar com homem tão "nobre", cheirando a brilho  e a cobre (do dinheiro, das armas, das insígnias), há uma clara crítica ao capitalismo, que é o mote da ópera.






h




Nesta composição, Chico também se baseia no conto Bola de Sebo, de Guy de Maupassant, que da mesma forma fala de uma prostituta. Há na letra uma crítica ao capitalismo, ao imperialismo, ao militarismo e à religião opressora. 








Na época em que foi lançada a canção, interpretações equivocadas (e mais literais), contrárias ao que o Chico pretendia discursar, levaram pessoas preconceituosas a jogarem terra em prostitutas – já que não tinham bosta, como na música. Este tipo de atitude corrobora a tese de  que a sociedade, como na letra da canção, é mesquinha e hipócrita.






No programa Canal Livre, em 1980, o compositor lamentou esse fato ocorrido, dizendo que "o artista está sujeito a ser mal interpretado, mas que não deve submeter o processo criativo ao temor de ser mal entendido". Ele ainda disse que as pessoas gostam de artistas por motivos alheios ao próprio artista, que são mais das pessoas do que dos artistas.












GENI, A MARIA MADALENA DE CHICO BUARQUE: 

ACLAMAÇÕES E APEDREJAMENTOS NA CANÇÃO E NO MUNDO, ONTEM E HOJE



A construção estética da canção revela a discriminação hipócrita da sociedade, que clama e aclama Geni ao precisar de seus serviços ou, sem estar em suas mãos, a apedreja. 
Da mesma maneira, as vozes sociais representadas pelas figuras do comandante, do prefeito, do bispo, do banqueiro e da cidade praticam coerção sobre Geni. 




 
Civil sendo espancado por militares durante os Anos de Chumbo no Brasil




Crítica à hipocrisia e ao poder, Geni e o Zepelim reinou nos conhecidos “anos de ferro”, em plena ditadura militar no Brasil. Todas as rádios tocavam e a população cantava em coro os refrões da canção, nem sempre com a compreensão adequada da unidade estética crítica da mesma, uma vez que a crítica se revela ao considerar toda a narrativa da canção e não apenas o refrão, que parece acusar a sua protagonista,Geni, uma travesti que, na verdade, é a heroína injustiçada do enredo. É o refrão que revela o preconceito e a hipocrisia de toda a cidade com a heroína prostituída, apedrejada como Maria Madalena.







Pode ser que por "parecer" ir ao encontro da ideologia hegemônica discriminatória e falso moralista predominante no período militar (mas não só) que a canção tenha sido aceita e passado pelo crivo da censura da época, mesmo indo contra a essa ideologia.





















 



Uma análise mais hábil da letra da canção revelará sua complexidade e os equívocos sobre ela cometidos até hoje. 


A primeira questão a ser considerada é a do gênero, embora Geni pertença, biologicamente, ao gênero masculino, a sua orientação, identificação de gênero e aparência residem na expressão discursiva feminina: todos os elementos discursivos que a ela se referem encontram-se marcados pelo feminino (ela, donzela, namorada, rainha, menina, na, feita, boa, maldita, “aquela formosa dama”, “essa dama”,coitada, singela, dela, bendita e, inclusive, o seu nome próprio). 












Não há marca linguística que prove, pela letra da canção apenas, que Geni é um travesti (no sentido de um homem “travestido” de mulher) – o que é completamente compreensível se considerarmos o contexto de escrita da canção, bem como a concepção de feminino/masculino de maneira mais complexa. Acreditamos que a opção de apagamento dessa importante marca na letra da canção tenha ocorrido para driblar a censura e também para tratar a heroína com respeito à sua orientação e identidade de gênero: uma mulher, como outras, ainda que “diferente” (no sentido de especial, dado o seu poder na canção – é ela a escolhida: “logo ela”, pelo comandante da canção). Talvez, se houvesse marcas, a crítica não passaria despercebida – até hoje há quem pense que Geni é uma prostituta. Claro que essa indeterminação vem bem a calhar artisticamente, pois também deixa no mesmo plano prostitutas, travestis, homossexuais e “tudo que é nego torto”.









O que nos leva à asserção de que Geni é uma travesti é a obra em que a canção se encontra: na Ópera do Malandro. 

Na peça pode-se confirmar que Geni é um travesti e, assim como outras mulheres, vive num bordel barato, frequentado por “tudo que é nego torto / Do mangue e do cais do porto”: “O seu corpo é dos errantes / Dos cegos, dos retirantes / É de quem não tem mais nada”. 






Além disso, ela não pertence como objeto ao bordel onde trabalha e frequenta. Ela é dona de seu próprio nariz e vive e faz de seu corpo o que quer, com quem e como quer. 

Afinal, na descrição que segue sua apresentação, na primeira estrofe da canção temos: 

“Dá-se assim desde menina / Na garagem, na cantina / Atrás do tanque, no mato / É a rainha dos detentos / Das loucas, dos lazarentos / Dos moleques do internato / E também vai amiúde / Com os velhinhos sem saúde / E as viúvas sem porvir”. 






      
 Letícia Sabatella interpretando Geni e o Zepelim




Não há, pela descrição feita, preconceito com gênero e faixa etária, mas há uma escolha implícita: ela se identifica e se relaciona com os excluídos sociais, por ser um deles. Tanto é que, ao ser escolhida pelo comandante, a primeira reação é dizer NÃO, porque “prefere amar com os bichos” do que ter que se submeter a um tirano ditador. Há mais asco em fazer sexo com um capitão do que com um "bicho". 







Em sua apresentação, o narrador revela o “segredo” de Geni (“e isso era segredo dela”) : ela “também tinha seus caprichos” – o lexema “caprichos”, usado com ironia, revela o pensamento nonsense da cidade, uma vez que os “caprichos” se referem à escolha de se dar a quem, quando, como e onde quiser, enfim, de ser dona de seu próprio corpo e vontade. 







Essa apresentação que parece valorar negativamente a “escória” social se inverte com a presença do comandante, da cidade (como se os sujeitos citados acima não pertencessem à mesma cidade), do prefeito, do bispo e do banqueiro. 

Há uma diferença entre Geni e as prostitutas que vai além da anatomia: Geni “dá-se”  e  não “vende-se”.







O discurso excludente e moralista que assola o pensamento hegemônico da sociedade contemporânea foi se constituindo e se estabilizando ao longo dos séculos e incidem seus ecos nos discursos valorativos sobre Geni, a heroína travesti da canção de Chico Buarque. 

Sobre ela recai toda a sorte de espúrias de uma sociedade hipócrita, egoísta, machista e individualista que, respectivamente, apedreja (“Joga pedra”, “Maldita”), aclama quando convém, sempre em decorrência de seus interesses (“Bendita”) e volta a apedrejar Geni,  (de maneira mais violenta que antes, pois aparentemente contente com o desfecho, graças à salvação realizada por Geni – mas, isso não é considerado – a cidade a ataca de forma ainda mais grotesca: “Joga bosta”, “Maldita”) . 







Diferente de outras canções, do próprio Chico e de outros tantos compositores, essa canção, mesmo ao utilizar o lexema “bosta”, não foi censurada quando lançada. Por quê? 

Há a hipótese de que a Censura não tenha considerado o elemeanto crítico que compõe tal palavra: a ironia que permeia toda a letra da canção. E que as palavras tenham sido lidas de maneira literal: como se a canção, de fato, fosse ao encontro do discurso moralista vigente quando, na verdade, criticava-o. 

Prova disto é que, assim como os militares, muitos não entenderam a mensagem de Chico Buarque e passaram a usar o refrão para discriminar prostitutas, homossexuais ou qualquer pessoa que não se enquadrasse nas normas sociais da época. 




A ironia aparece no discurso da canção por meio da inversão valorativa ocorrida de acordo com os interesses da cidade que, “em romaria”, clama ajuda à Geni, cidade essa que é representada por seus poderes maiores: o comandante, o prefeito, o bispo e o banqueiro, que possuem suas vozes reificadas pelo coro, marcado pelo refrão, que simboliza a voz da cidade. 

Todas essas vozes aparecem em diálogo e são orquestradas pelo narrador: Geni, o comandante (e seu “zepelim gigante”), o prefeito, o bispo, o banqueiro e a cidade.







 


É na palavra, no signo ideológico, que se dá o embate de valores e se percebe toda sutileza de transformação, de transmutação e transgressão dos sujeitos e da vida social.







O embate ideológico entre os sujeitos narrados em “Geni e o Zepelim” é apresentado pelas vozes orquestradas pelo narrador do texto. 

A voz de Geni, pelo que vimos desde sua apresentação (na primeira estrofe da canção), reflete e ecoa as vozes daqueles que se encontram à margem da sociedade.

Já os discursos do prefeito, do bispo e do banqueiro (na quarta estrofe) representam os discursos de algumas das esferas de atividade (os poderes político, religioso e econômico figurativizados pelos sujeitos citados - prefeito, bispo e banqueiro – , respectivamente) que, de um lado, comandam os vieses normativos do discurso oficial vigente e, de outro, são dominados pelo poder do comandante, símbolo do Estado (o poder militar – soberano e inquestionável nos anos 70, mas relativizado por meio da ironia da canção que o coloca à mercê das vontades de um travesti, a Geni). 






Por fim, o discurso da cidade, em coro e romaria, reflete e refrata a voz hegemônica dos três poderes citados. Em outras palavras, de maneira estética, o diálogo entre os sujeitos se estrutura, de maneira hierárquica (ainda que essa hierarquia seja invertida via ironia existente e predominante no discurso verbal da canção). Esse diálogo ocorre pela representação das vozes sociais simbolizadas pelos sujeitos narrados e essas relações revelam e refratam valores ideológicos e poder.






A letra da canção de Chico se estrutura da seguinte maneira: 

1 - Na primeira estrofe, o narrador apresenta Geni; 

2 - Na segunda, ele narra a chegada súbita (“Um dia surgiu”) do comandante (com seu “zepelim gigante”). Sua chegada quebra a rotina da cidade que “joga pedra na Geni”; 

3 - Na terceira, o comandante coloca a sua condição (deitar-se com Geni) para não acabar com a cidade; 

4 - Na quarta, há a recusa de Geni e a aclamação da cidade e seus representantes de esferas de poderes distintas (prefeito, bispo e banqueiro) para que Geni “salve” a cidade. Aqui, de “maldita”, Geni passa a ser “Bendita” pelas vozes do coro, por interesse hipócrita da sociedade em perigo; 

5 - Na quinta, Geni (como historicamente ocorre com as prostitutas) “dominou seu asco” ao aceitar sua função de “salvadora” da cidade e, contra sua vontade, entregar-se ao comandante “como quem dá-se ao carrasco”. Saciado, o comandante cumpre o combinado e parte da cidade “com seu zepelim prateado”. Geni, acabada depois do abuso, “se virou de lado / e tentou até sorrir / Mas logo raiou o dia / E a cidade em cantoria / Não deixou ela dormir”. Realizado o desejo de toda a cidade, que não mais vê “utilidade” em Geni, tudo volta ao que era antes, em tom comemorativo (a “romaria” passa a ser “cantoria”), mas excludente, injusto e não agradecido da mesma maneira, pois a cidade volta a apedrejar Geni, de maneira grotesca (“Joga bosta na Geni”).





Essa estrutura mostra uma aparente mudança na voz da cidade. Mudança hipócrita e interesseira bem marcada pelos três refrões existentes na canção, que carregam traços de mudança: no primeiro, ela é apedrejada, pois “Maldita”; no segundo, aclamada como salvadora e redentora; no terceiro, Geni não apenas volta a ser apedrejada, como é grotescamente tratada. 





A presença do lexema “bosta” no ato de apedrejamento denota a total desconsideração, banalização, exclusão e abuso da cidade com a heroína. Talvez, tanto quanto, ou mais, que o comandante, em um outro nível, a cidade abusa da heroína, colocada como “a serviço de todos”, como objeto – útil e/ou inútil, dependendo dos interesses sócio (cidade), político (prefeito), religioso (bispo) e econômico (banqueiro). 


Se, com esse percurso da narrativa "parece" que o discurso verbal da canção concorda com o coro da cidade, numa leitura um pouco mais atenta, mais hábil, percebemos o quanto ele, na verdade, descorda, criticando esse coro, essa sociedade, esse poder, ao deflagrar suas ações e sua podridão.





Na narração de caracterização de Geni, o narrador apresenta duas vozes valoradas de maneiras distintas. 

Se, conforme o narrador, Geni “É de quem não tem mais nada”, ela também é, ironicamente, caracterizada, logo na primeira estrofe, como “um poço de bondade”. 

Esse traço da “bondade” de Geni  é a causa de como a cidade a vê e trata, na concepção do narrador (“E é por isso que a cidade / Vive sempre a repetir”).




Nesse momento, aparece o coro da cidade que, no refrão, expressa sua voz (e valor) sobre Geni na narração: 

“Joga pedra na Geni / Joga pedra na Geni / Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir / Ela dá pra qualquer um / Maldita Geni”. 

A condenação/apedrejamento de Geni aparece, desde o início, como rotina, como voz da cidade, em coro, sua imagem sobre Geni como excluída e também como aquela que cede. 

Esse é o seu grande problema, pois ela cede aos clamores dessa mesma cidade que a apedreja (prefeito, bispo e banqueiro) para “servir” ao comandante, mesmo contra a sua vontade.








O comandante, representante do poder militar, é ironicamente caracterizado: ao mesmo tempo que parece soberano, com sua aparição sobre a cidade em perspectiva superior (visto de cima para baixo) e caracterizado por seu poder ditatorial (ditar significa comandar pelo dizer, pelo discurso e é isso o que ele faz: ameaça a cidade com seu dizer – e também com seu poder bélico/fálico: seus canhões apontados para a cidade), ele é um frágil prisioneiro de Geni (uma travesti-prostituta). 

“O guerreiro tão vistoso / Tão temido e poderoso / Era dela, prisioneiro.”






Esse último traço, na perspectiva da sociedade, não apenas relativiza o poder do comandante como o desqualifica e humilha. Como outros episódios da história, o destino de uma dada sociedade se encontra nas mãos de uma prostituta. Aqui, não uma prostituta qualquer, mas uma travesti. 

Quem é que tem poder, o comandante que manda na cidade ou quem manda no comandante? 




Indiretamente, não é à Geni que a cidade, o prefeito, o bispo e o banqueiro aclamam, mas ao poder transitório que ela detém. 

A escolha do comandante por ela lhe dá poder momentâneo e ela domina a todos. De novo, por sua “bondade” (irônica e passível de análise mais profunda), ela aceita ser usada e cede aos pedidos de todos, submetida à coerção social que sempre foi.

Acrítica  ao poder militar fálico passa completamente despercebida no momento em que a canção é composta (1977/1978), pois o poder do comandante encontra-se ironicamente atrelado a seus elementos fálicos: “Um enorme zepelim” (zepelim que, todos sabemos, refere-se a um balão, mas, aqui na canção faz, também, alusão clara ao órgão sexual masculino do comandante (seu instinto primitivo, básico, sexual) que é maior que ele, que o domina  – seu desejo é maior que seu poder e o escraviza, no caso, a Geni. 






Também é sua volúpia o que conta. O abuso de seu poder atrelado às suas vontades pessoais), “Abriu dois mil orifícios / Com dois mil canhões assim”, “zepelim gigante”, “zepelim prateado”. A ironia ocorre pela caracterização do sujeito narrado. Essa caracterização é feita, pelo narrador, por meio de adjetivos que reproduzem ideias do senso comum, mas com valores invertidos. Isso é possível, claro, por se tratar de um discurso estético.





Na arquitetônica da canção aqui analisada, as várias críticas são construídas pela ironia explícita, quase que cínica, no discuro verbal da canção. 

A ironia é o elemento que aporta a crítica e a transporta, aliada à figurativização, ao reino do estético. Isso ocorre desde o título da canção: “Geni e o zepelim”. 


O poder fálico do comandante e de Geni, figurativizados. 


O poder de uma sociedade machista que objetifica as pessoas, valorando-as por sua utilidade e poder. E os poderes das mais diversas esferas à mercê do poder (fálico) de Geni e sua “bondade” – ainda que momentaneamente. Todavia, a ironia permeia toda a canção. As designações utilizadas pelo narrador referentes ao comandante – poder militar (“guerreiro tão vistoso / tão temido e poderoso”, “homem tão nobre / Tão cheirando a brilho e a cobre”), à cidade (“Foram tantos os pedidos / Tão sinceros, tão sentidos”), ao prefeito – poder político (“de joelhos”), ao bispo –poder religioso (“de olhos vermelhos”), ao banqueiro – poder econômico (“com um milhão”) e mesmo a Geni (“poço de bondade”, “donzela”, “Tão coitada e tão singela” – atentemos para o lexema “coitada” referente ao coito) são outros exemplos do quanto a canção, por meio da ironia, relativiza verdades.







Com a ironia explícita, o narrador humilha os poderes hegemônicos e critica a hipocrisia dos mesmos, invertendo a hierarquia social momentaneamente. É ela (a ironia) que deflagra os sujeitos, inverte o poder e instaura a crítica no discurso verbal da canção. Ela é fruto da voz reinante do narrador, que orquestra a cena de acordo com seu ponto de vista. 






Mesmo com a crítica realizada, a canção se distancia do “final feliz” exatamente porque, mesmo sendo uma composição estética, finca-se na realidade de que tudo volta ao que era antes de maneira mais intensa e piorada, pois sequer gratidão ou silêncio (respeitador ou desdenhoso) pelo ato generoso de Geni existe. 





Basta o comandante se fartar (“ele fez tanta sujeira / lambuzou-se a noite inteira / até ficar saciado”) e partir “numa nuvem fria” para que todos voltem a apedrejar Geni, sem sequer dar-lhe qualquer momento de descanso. A crítica, severa, culmina no final (ápice no desfecho) da canção: mais que jogar “pedra”, a cidade, agora, “Joga bosta na Geni”. Por quê? 

Porque reina o poder atroz e interesseiro do utilitarismo.



E Geni, “Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir”. 

Nenhuma “bondade” irá redimir Geni de sua função de objeto não aceitável, excluído, sujo e inútil aos olhos podres e moralistas da cidade. 

Sem zepelim, sem poder, sem voz, sem nada. Quase um não-sujeito. Como Maria Madalena, ainda que com a função de Cristo “salvador”, “redentor”, mas só quando convém.


























quinta-feira, 17 de março de 2016

GERDA WEGENER - Um conto de amor entre uma pintora e sua musa (o próprio marido) que rompe limites de fronteiras de gênero.






Ache Coragem para ser Você!!









Museu de Arte Moderna de Copenhague (Dinamarca) traz uma justíssima homenagem a GERDA WEGENER




O Museu de Arte Moderna fica apenas a meia hora da Estação Central de Copenhague, Dinamarca.







A retrospectiva de Gerda Wegener que está no Museu em Copenhague finalmente faz justiça a esta filha nativa, rejeitada por seus colegas em função de seu estilo de vida muito a frente de seu tempo. 



Gerda Wegener foi, de fato, uma mulher livre, livre para ser livre dos preconceitos e enquadramentos sociais na diferença sexual para homens e para as mulheres, tomando como modelo preferido, o próprio marido, o pintor Einar Wegener, que aparece em seus quadros tão bem vestido como mulher que sem sabê-lo nunca notaríamos que se trata de um homem.







Fugindo da capital dinamarquesa puritana, Gerda Wegener se mudou com o marido para Paris em 1912, onde se tornou famosa como pintora e ilustradora para revistas de moda como Vogue, La Vie Parisienne, a baioneta, Fantasio, entre outras.






























































                           
  Gerda Wegener  e  Einar Wegener





Gerda Wegener (1885-1940) é uma figura única na arte dinamarquesa. Como artista feminina, retratou em seu trabalho artístico uma beleza excepcionalmente feminina com igual empatia e desejo. 



























































Vê-se em suas obras moças no flirty, divas glamourosas e mulheres sensuais. Temas como esses estão entre os motivos favoritos de Gerda Wegener, além das imagens de seu cônjuge transgênero, Einar Wegener (Lili Elbe), que tal qual ao modelo da arte de sua esposa desenvolveu uma identidade feminina.
























Gerda Wegener foi uma ilustradora de moda dinamarquesa e pintora do erotismo lésbico na década de 1930. Ela era casada com Lili Elbe, um dos primeiros destinatários de cirurgia de redesignação sexual documentados.


































































































GERDA WEGENER


Um conto de amor entre uma pintora e sua musa (o próprio marido), que rompe limites de fronteiras de gênero.



Gerda Wegener possuía uma sexualidade ambígua e a verdade de seu marido era algo muito difícil de lidar em sua época, pois tratava-se de um modo de vida que estava muito a frente de seu tempo.



   
   
                                    Einar Wegener (Lili Elbe) e Gerda Wegener









  

Gerda Wegener e o marido transcenderam para o quadro, para sua arte, a questão de  gênero e de identidade sexual em geral. Hoje o tema em suas obras é algo incrivelmente atual. 


Gerda Wegener, fascinada por pessoas que transitam com sua identidade por meio de fantasias, máscaras e teatro, retratou, inevitavelmente, esse universo para sua arte em representações de Lili (Einar Wegener) posando como uma mulher com make-up, mudanças de perucas, vestidos e sapatos exóticos. 








Lili (Einar Wegener) posando como uma mulher: make-up, mudanças de perucas, vestidos e sapatos exóticos. 






Pintora e Musa


Em 1904 Gerda Wegener, casou-se  com o pintor de paisagens Einar Wegener (1882-1931), que hoje é conhecido como a mulher trans Lili Elbe. Lili era o modelo preferido de Gerda Wegener, e a arte que eles criaram em conjunto trouxe, concomitantemente, um espaço onde Lili podia viver sua identidade feminina. Em 1930 Gerda Wegener, sua cônjuge, apoiou Einar Wegener a assumir seu verdadeiro "Eu". 



Ele, então, seria a primeira pessoa na história da humanidade, pelo menos que se tenha registrado, a passar por uma série de operações de mudança de sexo. Todavia, morreu no ano seguinte, devido a complicações após uma operação final.































Gerda conheceu seu futuro marido, o artista Einar Wegener (mais tarde, Lili Elbe / 1882-1931), na escola de arte.

Casaram-se em 1904, quando ele tinha 18 anos e Gerda Einar tinha 21. 








                             Lili Elbe ( Einar Wegener )






Viajaram pela Itália e França, eventualmente, fixando-se em Paris em 1912. O casal mergulhou no estilo de vida boêmia da época, fizeram amizade com muitos artistas, dançarinos e outras figuras do mundo artístico. O casal costumava frequentar festas privadas e festas públicas.






























A Arte de Lili Elbe

Na época, muitos consideravam Einar Wegener, seu marido, como um artista mais talentoso, mas ele obscureceu seu próprio trabalho e perfil para ajudar a esposa em seus esforços artísticos.









Confira alguns dos quadros de Einar Wegener:























































Um certo dia, substituindo uma modelo ausente, por sugestão de uma atriz amiga do casal, Einar posou para Gerda com roupas de mulher. Ela pediu-lhe para usar meias e saltos, assim suas pernas poderiam substituir as da modelo, e logo ele adotou a persona de "Lili Elbe", depois de descobrir que se sentia surpreendentemente confortável com a roupa.


















Logo ele adotou a persona de "Lili Elbe", depois de descobrir que se sentia surpreendentemente confortável com a roupa.
























Depois que o casal chegou em Paris em 1912, aqueles que ficaram amigos logo conheceram a misteriosa Lili Elbe - alter ego de Einar. 

Embora um pouco tímida no início, ao longo dos 19 anos em que Gerda e Einar foram casados, Lili apareceu mais e mais. Provocante e divertida da mesma forma que as mulheres pintadas por Gerda são. 





Lili foi lentamente usurpando Einar no corpo e na mente. Em meados da década de 1920 ela estava fazendo aparições noturnas em clubes de toda Paris, bem como em fotos de Gerda.








Lili se tornou a modelo favorita de Gerda, e ao longo do tempo, Gerda se tornou famosa por suas pinturas de mulheres bonitas com assombrosos olhos amendoados, vestidas com modas chiques. 



Em 1913, o mundo da arte foi chocado quando souberam que o modelo que inspirou representações de Gerda de femmes fatales petite era na verdade seu marido Einar.










Einar finalmente identificada como uma mulher teve a primeira cirurgia de redesignação sexual publicamente conhecido na história em 1930, depois de anos de vida vivendo apenas como Lili Elbe. 

Quando Lili estava vestida em trajes femininos, Gerda apresentava-a  públicamente como a irmã de Einar Wegener,  Gerda apoiou e acompanhou Elbe todo o tempo ao longo de sua transição. As contas sugerem que elas eram mais irmãs do que cônjuges ou amantes. O casamento dos Wegener acabou sendo declarado nulo e sem efeito em outubro de 1930 por Christian X, o Rei da Dinamarca na época. Lili morreu em 1931 de complicações de cirurgia.








Em 1931, Gerda se casou com um italiano oficial, aviador e diplomata, major Fernando Porta, dez anos mais novo que ela, e mudou-se com ele para Marrocos (especificamente Marrakech e Casablanca). Ela continuou a criar arte durante este período, passou a assinar suas pinturas como "Gerda Wegener Porta". Se divorciou de Porta em 1936, após um casamento doloroso. Volta para a Dinamarca em 1938, apresenta sua última exposição em 1939, mas a esta altura sua arte já estava esquecida.


Gerda não teve filhos, viveu sozinha em relativa obscuridade e começou a beber muito. Manteve alguma renda com a venda de cartões postais pintados à mão até sua morte, em julho de 1940.




























A fascinante vida de Lili Elbe, a primeira transexual a entrar para a história veio à tona graças à publiação de um romance baseado em sua vida.







Apesar de sua relevância, a história de Lili Elbe ( sobrenome que Einar Wegener escolheu por causa do rio Elba (Elb) que passa pela cidade onde nasceu), só era conhecida entre acadêmicos e ativista da comunidade LGBT até chegar às mãos do escritor David Ebershoff há 18 anos. 

Ebershoff, então editor da Random House, romanceou a fabulosa vida do histórico transgênero, sua estreia literária. O Livro chama-se The Danish Girl (A Moça de Copenhague, Rocco). 






O romance The Danish Girl  desenterrou a vida obscurecida de Lili Elba. Mais de 18 anos se passaram depois da publicação desse livro e só agora essa incrível história foi levada ao cinema pelas mãos do diretor Tom Hooper.






Naquele dia a modelo não apareceu. Gerda Wegener, a jovem ilustradora que ganhara espaço com seus estilizados retratos femininos, queria terminar seu esboço e, por sugestão de uma amiga atriz que passava por ali, pediu a seu marido, Einar Mogens, que sempre tinha sido magro e esbelto, para colocar o vestido com saia plissada, sapatos de salto e meias. Bastou que ele posasse por um momento...


É impossível adivinhar se Gerda, que de boba não tinha nada e conhecia e amava Einar como ninguém, sabia onde ambos estavam se metendo quando pediu a seu marido para se vestir de mulher naquela tarde, no apartamento que dividiam em Copenhague.




Mas para nenhum dos dois a vida voltaria a ser a mesma. Einar jamais se sentira tão autêntico como quando colocou aqueles saltos e, gradualmente, começou a se vestir como mulher. Não como uma mulher qualquer, mas como Lili, a persona que inventou e que cada vez foi passando mais tempo com Gerda, que a levava para os cafés e a apresentava como sua irmã. 






Depois de viajar pela Itália e pela França, ambas acabariam se instalando em Paris em 1912, onde Lili vivia e vestia como uma dama, e Gerda tinha relações com outras mulheres.






A fascinante vida de Lili Elbe, a primeira transexual a entrar para a história. Um romance desenterrou sua vida, mais de 18 anos se passaram depois da publicação do livro até ser levada ao cinema.






Depois de muitas voltas pelos escritórios de Hollywood – durante algum tempo, Nicole Kidman esteve associada ao projeto – o livro finalmente chegou ao cinema pelas mãos de Tom Hooper e com Eddie Redmayne e Alicia Vikander nos papéis de Lili e Gerda virou um excelente filme. 




















O autor do livro está orgulhoso: 

“Em setembro, visitei o túmulo de Lili em Dresden e o diretor do cemitério me disse que todo mês umas 10 pessoas vão lhe prestar homenagens. Deixam flores e velas ou passam um tempo com ela. Imagino que o número tenha aumentado nos últimos anos e que, com o filme, se entenderá ainda mais quem foi, o que conseguiu e representou Lili Elbe..."

















"É por isso que precisamos de mais histórias e é por isso que o público ouviu e aceitou as de Caitlyn Jenner, Laverne Cox, Chaz Bono, Renée Richards e muitos outros. Cada vez que uma pessoa transgênero conta sua experiência, nossa compreensão coletiva cresce”.






































        "ENCONTRE CORAGEM PARA SER VOCÊ MESMO."













Transgêneros famosos como Caitlyn Jenner, Laverne Cox, Chaz Bono, Renée Richards e muitos outros têm vindo à mídia contar sua experiência de vida, sua história, fazendo com que suas vozes sejam ampliadas, ouvidas e compreendidas.



     
Chaz Bono, filho da cantora e atriz Cher em três etapas de sua vida.





                                      
                                    Chaz Bono







Bruce Jenner assume sua essência denominada Caitlyn Jenner






Laverne Cox






Renée Richards (19 de Agosto de 1934) foi uma tenista transexual estadunidense, que chegou a ocupar o top 20 na década de 70 após mudar de sexo.










Christine Jorgensen






Christine Jorgensen (30 de maio, 1926 - 03 de maio de 1989) era uma mulher transexual, que se tornou a primeira pessoa a assumir publicamente a sua condição e ter passado por uma cirurgia de redesignação sexual com sucesso. 

Jorgensen cresceu no Bronx, Nova York. Logo que se formou no colegial (Secundário) em 1945, ele se juntou ao Exército dos EUA para a Segunda Guerra Mundial. Após ter servido o exército, a esta altura, já tinha ouvido falar sobre a cirurgia para mudança de sexo. Ele viajou para a Europa e, em Copenhague, Dinamarca, pediu permissão especial para passar por uma série de operações, que começou em 1951.


Voltando aos Estados Unidos no início dos anos 50 sua transformação foi tema de manchetes no New York Daily News. Ele imediatamente se tornou uma celebridade, usando sua fama para defender os transgêneros. Ele também trabalhou como artista, atriz de cabaret e gravou várias canções na época.






Cada vez que uma pessoa transgênero conta sua experiência, sua história, nossa compreensão coletiva sobre o assunto cresce permitindo, assim, uma sociedade mais sábia, justa e mais pluralizada. 







Quando o escritor Ebershoff refere-se à Lili Elbe como “pioneira” o termo adquire conotações heroicas, mas ser o primeiro (neste caso, a primeira) a chegar a qualquer lugar significa fazê-lo na mais absoluta solidão. 





Lili Elbe não tinha sequer uma palavra para se definir. 





                                     
                               Doutor Hirchsfeld



Deve-se muito ao doutor Hirchsfeld, que durante toda a sua vida tentou fazer da pesquisa sobre sexualidade e gênero uma disciplina médica tão respeitável como qualquer outra, ele tinha acabado de cunhar o termo “transexualismus” para se referir àqueles que queriam se transformar no sexo oposto, e não só imitar sua aparência. Ninguém contou para Einar. Os médicos que consultou durante sua juventude na Dinamarca qualificaram-no de histérico ou pervertido.









“Uma das coisas que acho mais significativas sobre Lili Elbe é que ela não teve exemplos ou modelos, nenhum mentor a quem admirar, nenhum recurso, nenhum meio que refletisse sua vida e praticamente nenhuma informação médica. Não só percorreu um caminho inóspito, como teve de ir lançando os alicerces desse caminho. Estava sozinha, a não ser por sua esposa”, diz o escritor David Ebershoff.




Depois de quase duas décadas vivendo como mulher com uma biografia inventada, a história de Lili se tornou pública e causou em seu país um barulho similar ao gerado por Christine Jorgensen nos Estados Unidos nos anos 1950.







                                Christine Jorgensen


Jorgensen, o soldado que combateu na Segunda Guerra Mundial que passou por uma cirurgia de redesignação de gênero, tornou-se uma celebridade menor e objeto de fascinação para os tabloides. “Quando sua história veio a público, Lili não teve outra opção a não ser sair do armário e contá-la”, relata seu biógrafo. “Por um lado, desfrutou da oportunidade de contar sua transição, mas por outro hesitava sobre como o mundo responderia. 









"Parte de Lili amava a atenção, mas outra parte só queria ser uma garota dinamarquesa com uma vida normal”. Transformar-se em figura pública obrigou-a a romper com seu passado e com Gerda. A Dinamarca reconheceu sua nova identidade com um passaporte e anulou o casamento. 
















Lili nutria ilusões fantasiosas, como conceber um filho com seu novo parceiro, mas tinha premonições sombrias. Antes de passar pela operação que a mataria, escreveu a um amigo: “Provei que tenho o direito de viver existindo como Lili durante 14 meses. Podem dizer que 14 meses não são muito, mas para mim é uma vida humana completa e feliz”.







A Garota Dinamarquesa foi apresentado na Casa Branca em um evento dedicado aos direitos dos transexuais. O fato de ser dirigido por Hooper, um diretor de quem se pode dizer que tem um gênero “oscarizável” (são dele O Discurso do Rei e Os Miseráveis) já é significativo por si, como ele mesmo admite em uma entrevista à revista Time: 

“Agora todo mundo acredita que é uma opção óbvia para mim; diz muito da revolução ocorrida na aceitação das histórias trans”. A escolha de Redmayne, no entanto, não esteve livre de polêmica. Destacou-se que Elbe deveria ser interpretada por uma atriz transexual. David Ebershoff, pelo menos, está satisfeito com o ator cisgênero (o contrário de transgênero) e heterossexual que dá vida a sua Lili. 





“Quando visitei o set, vi que Eddy derramava cada gota de seu talento interpretando-a com profundidade, sutileza e uma ampla gama de emoções. Como escritor, eu não gosto da ideia de que algumas de minhas histórias estejam fora de meu alcance”. Mesmo assim, reconhece a necessidade de levar em conta essas vozes dissidentes. 








“Lili é uma parte importante da história dessa comunidade. Orgulham-se dela e sua vida precisa ser contada com empatia e dignidade”. Afirma o escritor.














LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...